Quem foram os seus bisavós? Sabe? Possivelmente já não os conheceu em vida mas talvez ainda tenha ouvido algumas histórias dispersas sobre uma aventura, uma fatalidade ou um episódio que arranca gargalhadas há gerações. São pequenas histórias que mantêm vivos no presente os entes do passado. Em suma, fazem parte do património familiar, tal como aquela velha arca na sala de estar do avô ou aquele anel que já adornou tão diferentes mãos. Se o património material é passado de pais para filhos, preenchendo quotidianos e insistindo em não ser esquecido, o que fazemos ao património que não se vê, nem se toca? O que fazemos às tais histórias de família, a esses farrapos de memória dependentes de quem os conta e de quem os ouve?
Todos sabemos que alturas houve em que os serões à lareira (e que imagem idílica essa…) eram cenário privilegiado para a partilha de histórias. Eu lembro-me da lareira a crepitar, marcando o ritmo da voz da minha avó enquanto contava como o pai fora atacado por um lobo na serra quando era gaiato, histórias que antecediam a recitação do terço, durante o qual, invariavelmente, o sono chegava e as avé-marias eram trocadas por roncos. É uma memória minha mas, decerto, com paralelo nas memórias de muitos dos que hoje lêem este texto, mas com outra avô, outro gaiato e outros roncos.
Momentos raros nos dias de hoje, é certo. O espaço para a partilha das histórias da família torna-se cada vez mais exíguo. É verdade que partilhamos muito, mas outras coisas e com outros. As redes sociais não substituíram a lareira, até porque a tecnologia tornou-se, muitas vezes, numa barreira geracional (excepção seja feita às avós-cibernautas, que muito saudamos pela frescura de espírito). Perder essas histórias, deixá-las cair no esquecimento, é fragilizar irremediavelmente a identidade familiar, é deixar escapar muito daquilo que somos, de um património genético que não nos corre nas veias mas que flui de boca em boca.
Por isso, fique atento: há uma herança de valor inestimável em vias de desaparecer. Não espere mais tempo e preserve-a, recorde-a, partilhe-a. Caso contrário, amanhã estará mais pobre.